Quanto mais fundo você cava por uma causa, mais longe fica do problema real.
A complexidade não se resolve com linhas retas.
A ideia de causalidade está presente há muito tempo na história do pensamento ocidental. Desde Aristóteles, a causalidade foi central para explicar o mundo.
Ele propôs quatro tipos de causas - material, formal, eficiente e final - e, por muitos séculos, essa estrutura sustentou a busca por explicações.
Com o avanço da ciência moderna, especialmente a partir de Descartes e Newton, a noção de causa eficiente ganhou protagonismo: eventos eram vistos como efeitos diretos de causas anteriores, em uma cadeia linear e previsível.
Essa visão reducionista passou a dominar a forma como lidamos com problemas, inclusive fora do campo científico.
A proposta parece tentadora: encontrar o ponto exato onde tudo começou a dar errado, corrigir ali e evitar que o problema se repita.
Em sistemas previsíveis, essa abordagem até pode funcionar(com ressalvas).
Mas em contextos sociais, organizacionais e culturais, essa busca é insuficiente.
Problemas sociais não nascem de um único fator. Eles são multifatoriais, ambíguos e mudam com o tempo.
Emergentes de um emaranhado de relações, esses problemas envolvem intersubjetividades, disputas de narrativa, jogos de linguagem e estruturas de poder.
Cada pessoa enxerga o problema de um ponto distinto, com interesses, histórias e papéis diferentes. Não há uma causa fixa, nem um ponto de origem neutro. Há versões.
Ainda assim, o argumento recorrente é que a análise de causa raiz é usada há décadas na indústria. Mas isso não a valida nada. Popularidade não é sinônimo de precisão.
O uso frequente pode refletir mais uma necessidade de controle do que uma real capacidade de compreender sistemas sociais.
O fetiche pela causalidade é, em parte, uma tentativa de domar a angústia diante do imprevisível.
Queremos entender para controlar, encontrar causas para agir com segurança.
Mas em sistemas sociais, isso nem sempre é possível. Há situações em que compreender plenamente as causas está fora do nosso alcance, seja pela complexidade das interações, seja pelas múltiplas interpretações em disputa.
Em vez de buscar uma origem única(ou até mesmo uma causa), é preciso observar os padrões que se repetem, as relações que retroalimentam o problema e os contextos que o sustentam.
É necessário abrir espaço para o contraditório, escutar múltiplas perspectivas e lidar com a ambiguidade.
Problemas sociais não são falhas isoladas esperando conserto.
São expressões de um tecido relacional em tensão constante.
E esse emaranhado não se resolve com ferramentas que procuram raízes, mas com métodos que mapeiam redes.
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Leia meu artigo "5 falácias da análise de causa raiz".
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